Aqui chegámos. Prontes para partir.
Não há motivação maior para continuar em movimentAÇÃO do que a sensação de comunidade. A verdade é que este primeiro número da SACA é o resultado de um acolhimento e de uma adesão tais que nos deram alento para imaginar futuros de interação, cooperação e transformação. Enquanto revista literária independente, o principal objetivo da SACA é acercar-se da literatura, do literário nas suas diversas formas e no seu conteúdo em diversidade, enquanto AÇÃO. A literatura como espaço seguro da experiência e da expressão; da interrogação e da insurgência. AÇÃO → TRANSPOSIÇÃO de limites e fronteiras. Um pensamento, um movimento, um passo… uma inscrição. São formas de experimentar e arriscar, mesmo que as barreiras ultrapassadas sejam imperceptíveis.
De qualquer modo, não há pequenas revoluções. E, para nós, cada obra é uma revolução: transforma-nos sempre que a elas regressamos, um perpetuum mobile excêntrico. Esperamos que ao se servirem desta SACA sintam, igualmente, este ímpeto de fuga ao centro e a motivação para encherem outras, mais, sacas. Como um respigo estelar: assombroso, infinito e luminoso. Num universo de possibilidades múltiplas.
Um traço comum às obras que compõem este número é a interrogação. De diferentes modos e modalidades, as vozes que aqui se encontram perguntam-se e perguntam-nos como levar a cabo essa ação. De forma mais interna, abstrata, direta ou concreta, há uma vontade de transpor limites.
Na poesia, em “Exercício”, Inês Nunes questiona as estruturas da linguagem e das suas formas enquanto limites da identidade; “Fuga interna”, de Marta Gomes, ensaia as linhas entre ação e perceção, entre interioridade e exterioridade; Maria Duran questiona a relação com a espacialidade que habitamos (“Quarta-Feira Falsa Como Todas as Quartas Desempregadas”) e os limites que vamos ultrapassando na nossa relação com o nosso meio (“em flor”); Com “dizem que devo amar todas as coisas” cobramor recusa os pré conceitos normativos de uma realidade que se alimenta de e alimenta a violência; Isabela Vieira Bertho baralha as orientações espaciais para experimentar sentidos outros, em “avesso”; “jardim de inverno”, de Rafaela Jacinto, negoceia noções e transposições entre planos (a vida, a morte, o paraíso, a existência) e “múmia” interroga o absurdo consumo-capitalista e, em “fórmula um” e “quebranto”, somos deslocades entre o poético e o real, encontramos a existência; Lúcia Vicente rompe com qualquer limitação à identidade e liberdade feminina, em “Ultra-Moderna” o patriarcado é Ultra-Passado. “They | Them” é uma experimentação visual da interseção entre língua e identidade, numa abertura de possibilidades fluidas.
Na prosa, Ana Sabino Moura traz-nos “Fogo-preso”, uma narrativa sobre limites desconhecidos que se vão definindo enquanto conhecimento de si próprie através de uma experiência limite: o primeiro encontro sexual, vivido como transgressão (e transgressão de quê: de estruturas societais normativas ou de si mesme?); “A Degoladora”, de Robson Siebel, é um mistério humorístico que extravasa as fronteiras da ficção (conseguem identificar a realizadora que faz um “cameo” no texto?) para dar novas perspetivas acerca de uma sociedade ameaçada pelo medo, desconfiança e ódio; Sara Carinhas, dá-nos a conhecer “Julie”, uma estória de imaginações-visões de vidas em conjunto, que se expandem e contraem através das incertezas do futuro: esse limite do presente, um instante; “Bem Boas as Broas De Mel”, de Rui Dias Monteiro, conduz-nos através de uma reflexão sobre intimidade, aceitação e liberdade, num questionamento das fronteiras entre elas: assim na sexualidade como nas broas de mel; “Oeste”, de Ana Jorge Almeida, é uma coordenada de desorientação que atravessa esta narrativa enigmática, em que estruturas opressivas impõem limites hetero e auto-repressivos; É, também, um jogo de limites de estruturas internas (sujeito, divisão, apartamento, prédio, identidade…) e externas (espelho, família, sol, cidade, pandemia, identificação…) o que “Crônica de Um Espelho de Elevador”, de Daniel Saeta, nos oferece. Por fim, o limite da prosa é um ponto de partida, um recomeço, em “Manhãs de Sábado”, de Ana Teresa Sebastião, que nos mostra diferentes sopros dos novos dias no interior e na metrópole, na comunidade e na individualidade, nos rituais da terra e da cidade, nas vidas que se reconfiguram.
Num “saco das estrelas” haverá sempre espaço para “objetos literários não identificados”. Neste número inaugural não falta um OLNI, é “ZZZ”, de Terhi Marttila: “histórias para adormecer, contadas pelas estrelas que piscam no céu. Podemos ouvir uma de cada vez, ou todas a uma vez. É uma obra sem língua, sem palavras, mas que convida para ouvir na mesma.”
Terminamos com uma Secção Temática dedicada à Palestina. Para ela contribuíram Rita Cunha, que interpreta em Língua Gestual Portuguesa o poema "Ever Alive" de Fadwa Tuqan; e Carolina Pereira com o texto “Sim, ignorar o genocídio na Palestina é racismo”. Diversos recursos e plataformas de ação e apoio à Palestina e às pessoas palestinianas são, igualmente, partilhados nesta secção.
Que todas as aterragens, alunagens, ou ‘estrelagens’ aqui na SACA sejam apenas impulsos para novas viagens através de inquietudes, interrogações e transformações. Que certos limites sejam postos à prova e que os espaços de segurança sejam cultivados.
Encham a SACA com as vossas vozes e transbordem os vossos/nossos limites. Testem e experimentem. É para isso que a SACA existe.
Sandra e Carolina
Ultra-moderna, de Lúcia Vicente
Fuga interna, de Marta Gomes
dizem que devo amar todas as coisas, de cobramor
jardim de inverno; múmia; fórmula um; quebranto, de Rafaela Jacinto
Quarta-Feira Falsa Como Todas as Quartas Desempregadas; em flor, de Maria Duran
They | Them, de Diogo Marques
Exercício, de Inês Nunes
avesso, Isabela Vieira Bertho
Fogo-preso, de Ana Sabino Moura
A Degoladora, de Robson Siebel
Julie, de Sara Carinhas
Oeste, de Ana Jorge Almeida
Manhãs de Sábado, de Ana Teresa Sebastião
Bem Boas as Broas de Mel, de Rui Dias Monteiro
Crônica de Um Espelho de Elevador, de Daniel Saeta
ZZZ, de Terhi Marttila
Interpretação em Língua Gestual Portuguesa do poema "Ever Alive" de Fadwa Tuqan, por Rita Cunha
Sim, ignorar o genocídio na Palestina é racismo, de Carolina Pereira
Recursos
Ponto de Escuta
Ainda há sementes para serem colhidas e espaço no saco das estrelas.
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