Lisboa tem ócio de domingo, enrosca-se na neblina, nas ancas familiares das suas colinas.
O rio também quer manhãs lentas
e tardes quentes,
belezas divinas e poetas
chorando lamentos por amor a si;
E faz o luto de todas as suas
múltiplas mortes de cada dia -
as correntes afogadas em si mesmas, a boca do sol despedaçando-se em tantos
beijos, nenhum crepúsculo
igual a outro crepúsculo.
Eu igualmente me enluto
por tudo o que de mim parte
e em mim perde o rumo.
a charneca morre muito lentamente. químicos e bruxedos industriais borbulham na boca do riacho;
falsos profetas caminham sobre os ramos
caídos: quebram relva e madressilvas, quebram terreno,
prometem aço e vidro e grandes alojamentos. a charneca em si um sonho uma noção
de primaveras possíveis e isolação
benevolente - a charneca morre
suave suavemente. se não virar mina
já se pode considerar salva - o coração
dos poemas tende a ser matéria de bom ouro e bom lítio, solo rico em venenos raros.
Maria Duran é uma investigadora e escritora. Completou Mestrado em História de Arte e Património pela Faculdade de Letras, e Pós-Graduação em Curadoria de Arte. Dedica-se à história dos espaços, dos objetos, e, principalmente, a rebeldia das imagens que, teimosas, tendem a insistir ser criadas por toda uma variedade de mãos. Participou no Festival de Poesia de 2023, e tem publicado poesia e prosa em revistas, zines, blogs e antologias portuguesas, americanas e canadianas, como a Gilbert & Hall Press, Pollux Journal, Black Moon Mag, Fábrica de Terror e P’ARTE.